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Conselho Municipal de Cultura: corporações ou multiplicidade?

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A cidade de Belo Horizonte está em vias, finalmente, de emplacar o Conselho Municipal de Cultura. Porém, já pode nascer velho, caso prevaleça a exigência, no caso das áreas de linguagem (artes plásticas, música, artes cênicas e artes visuais), de representação por entidades. Numa reunião com a Fundação Municipal de Cultura, após intensa mobilização por esses e outros itens, a grande maioria dos presentes votou pela modificação da proposta de edital apresentada. O Movimento Nova Cena é um dos protagonistas dessa discussão, defendendo a eleição dos conselheiros pelo voto direto de seus pares, em assembléia designada para tal.

Na proposta de decreto, a ser regulamentado pelo Edital, está escrito o seguinte:

Art. 5º – Os membros do setor cultural serão eleitos pelas entidades sem fins lucrativos (associação, sindicato, sociedade ou similar) representativas de cada segmento, reunidas em assembleia convocada pelas mesmas, juntamente com a Fundação Municipal de Cultura, para este fim.

Parágrafo único – As entidades mencionadas no caput deste artigo deverão cadastrar-se previamente na Fundação Municipal de Cultura e contarem com, no mínimo, 03 (três) anos de comprovada atividade legal no Município de Belo Horizonte.

Movimento Nova Cena, juntamente com outros segmentos, artistas e agentes culturais presentes, entende que este ponto é um retrocesso em relação à democracia participativa. Em troca, propõe-se a seguinte redação:

Art. 5º – Os membros do setor cultural aos quais se refere o inciso II do artigo 2º deste Decreto serão eleitos diretamente por seus pares em assembléia convocada pela Fundação Municipal de Cultura.

Parágrafo único – Os candidatos e os eleitores aos quais se refere o caput deste artigo deverão ser domiciliados na capital, inscrever-se previamente na Fundação Municipal de Cultura e contar com, no mínimo, 02 (dois) anos de comprovada atividade cultural no Município de Belo Horizonte.

A prevalecer a redação anterior, o Conselho Municipal de Cultura de Belo Horizonte já nasce velho! Trata-se de uma concepção que reforça o corporativismo e a reserva de mercado. No caso das linguagens artísticas, somente quem está vinculado a entidades pode participar das eleições. O governo força, desse modo,  toda a gama de singularidades e expressões plurais a se fazer representar por determinadas entidades. O recado é esse: se você quer contribuir, procure sua entidade! Ora, mas é justamente contra isso que o atual movimento se bate, pois ninguém pode ser obrigado a procurar qualquer entidade para se fazer ouvir num processo democrático. Ficamos, por essas vias, presos ao ranço estadonovista!

Concepção velha: amarra-se a representação política às corporações. A contribuição civil, ou melhor, a sua co-laboração, é filtrada por entidades preocupadas com reservas de mercado e modos de apropriação do Estado que já conhecemos de longo data. As diferenças são sufocadas, senão excluídas, produzindo-se um espaço excessivamente estriado, fronteiriço, territorializado. E o governo municipal estará sendo o promotor e avalista disso.

O Conselho Municipal de Cultura do Recife, por exemplo, renovou-se e se fez afinado com os novos tempos, que exigem mobilização, conectividade, abertura para os fenômenos de borda e menos hierarquia. Equilibra, desse modo, a democracia representativa com a democracia participativa. Os representantes são eleitos em Fóruns Permanentes de cada área. E para participar dos Fóruns as pessoas devem se cadastrar, comprovando sua atividade etc. Resulta disso uma participação mais ampla, mais instituinte e menos institucionalizada, sendo que na primeira os modos de subjetivação favorecem as relações mais transversais, e na segunda se dá a constituição “dura” dos sujeitos submetidos aos conjuntos estáveis e identitários.

Não existe, no caso do Conselho do Recife, a figura da “entidade” representativa. Todos podem se candidatar e votar, desde que consigam comprovar sua inserção na referida área. Aliás, fica aí mais do que um belo exemplo: os fóruns permanentes reúnem-se a cada dois meses, acompanhando e monitorando as políticas públicas. Com isso evitam-se os vícios da democracia representativa: desconhecimento, transferência exclusiva de deliberação, pouca motivação fora do período eleitoral etc. Belo Horizonte poderia ter se inspirado nesse processo, que mantém uma contínua mobilização, incluindo a obrigação de retorno e diálogo por parte dos conselheiros.

A combinação entre “reserva de mercado” e “representação política” vem sendo amplamente superada, seja por mecanismos de participação direta, seja por amplos fóruns e espaços de debates. Quando não, pela própria realidade e dinâmica da cultura. Essa foi, por exemplo, a tônica da gestão Gilberto Gil no Minc. E está aí o exemplo da cidade do Recife.

O que se pode perceber é que, na redação anterior do decreto municipal, quem quiser participar fora dos quadros das linguagens artísticas, isto é, independente da representação por entidades, deverá se inscrever nas representações regionais. Pode ser que, nesse caso, ganha-se com a valorização dos fóruns regionais, mas perde-se em mobilização, multiplicidade, princípios mais democráticos e mais próximos da realidade viva da cultura no que tange às áreas artísticas. Estas serão praticamente esvaziadas de discussão.

Alguns temem que refazer o Decreto, já publicado, seria correr o risco de não ver o Conselho de Cultura ser aprovado ainda este ano. O  momento é muito importante: apostaremos no reforço das corporações artísticas ou na promoção da multiplicidade? Esperamos que Fundação seja sensível à construção de um Conselho afinado com o seu tempo.

Estamos numa época de ampla mobilização, de conexão por redes, de luta pela democracia participativa. Seria desejável que prevalecesse o novo. E com ele os mecanismos que possam assegurar a expressão da diferença.

Referências –

– Conselho Municipal de Cultura do Recife

– Movimento Nova Cena

– Audiência Pública: política de cultura e política da cultura – por Luiz C. Garrocho


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